No final de janeiro de 2022, que já parece ter sido há muito tempo, fiz uma reflexão sobre o “não arranque” dos eventos que pode conhecer aqui e qual o impacto nos eventos da retoma que se avizinhava . Entre os motivos do estado em que vivíamos, contavam-se as ausências dos colaboradores por infeções COVID e a incerteza sobre o levantamento das restrições.
Passaram 50 dias sobre essa reflexão. E a única certeza que temos é que há mais incertezas.
Em relação à pandemia, assistimos desde o início de fevereiro a um alívio das medidas e do sentimento da população que estavamos a regressar a um novo possível normal. E assim estivemos duas a três semanas.
25 de fevereiro de 2022. A guerra entra na Europa, algo que já não acontecia entre Estados, desde 1945. Nem o meu pai ainda era nascido.
Uma guerra com terríveis consequências para um povo e que fez renascer medos num continente que julgava ter paz eterna. Algo que a História ainda não conhece.
Aparte disso é uma guerra que decorre na era da Globalização entre dois países com peso no fornecimento de matérias primas. O que é que isto tem a ver com eventos?
Tudo.
Vou mencionar apenas três factores:
- O fornecimento de matérias primas ligadas à energia (petróleo, gás natural) impacta em toda a cadeia de produção e distribuição. Desde as indústrias, aos transportes, ao retalho. Desde o momento em que sai da terra, que é minerado, que é produzido, até ao consumidor. A eletricidade que é necessária também em toda o ciclo económico. O resultado é um aumento de preços quase semanal em alguns casos e ainda sem perspetiva de parar.
- As matérias primas alimentares como os cereais (trigo, milho) são oriundas em mais de 20% da Rússia e Ucrânia. Estamos a falar de impacto no pão, farinhas, massas que fazem parte do cabaz alimentar de todos nós.
- A restrição no acesso a fertilizantes. Um dos países é um dos maiores produtores de fertilizantes. Acresce a isto o facto de estarmos em seca, e a capacidade produtiva nacional fica afetada.
Estes são factos materiais e deixei mais de fora. Mas a Economia move-se pelas perceções dos vários agentes: produtores, investidores, Estado e consumidores. E as teorias económicas, perfeitas nos calhamaços das universidades, perdem força com a incerteza. Há perda de poder de compra, fruto da inflação (as previsões foram revistas na semana de 10 de março para números superiores a 5%).
Com o BCE a aumentar as taxas de juro para combater a inflação, o que poderá acontecer com as empresas e instituições?
Com a diminuição do poder de compra, as empresas venderão tendencialmente menos, logo os seus orçamentos de marketing e comunicação poderão sofrer revisões em baixa. Além disso as pessoas que podem ir a eventos, por força do aumento dos combustiíveis e do menor poder de compra, poderão ir menos do que se espera;
O aumento dos combustiveis e matérias primas pode representar uma redução de margem muito significativa ou mesmo causa prejuizo pois por vezes estes custos representam 30%,40%, 50% numa empresa industrial ou de transporte. Mesmo não falando em suspensões e falências, a retração vai causar menos deslocações, menos investimento.
Comunicação discreta ou em suspensão – Em tempo de guerra quem vai comunicar alegria e festa? O que comunicar nesta fase? Há 77 anos que não se assistia a um cenário assim em solo europeu. Aliás, desde 25 de fevereiro que estamos a assistir a um silêncio compreensível. E isso tem impactos em eventos, ativações de marca, campanhas promocionais.
A saída das multinacionais da Rússia e da Ucrânia (esta última por força do conflito, a primeira pelas sanções) implica um orçamento global com quedas significativas para quem estava presente nesses mercados. Podem os outros mercados compensar? Podem, mas é um esforço hercúleo numa altura onde os consumidores estão a refrear os seus consumos.
O artigo já vai longo mas qual o impacto para os eventos em Portugal nos próximos meses?
Permita-me dividir entre mercado corporativo e de lazer e entre portugueses e estrangeiros. O turismo em Portugal promete um bom ano de 2022, ainda para mais porque na Europa estamos afastados do conflito em termos geográficos. Os turistas estrangeiros têm mais poder de compra e por isso Portugal continuará a ser interessante por essa via.
Os eventos de lazer poderão ser o escape de uma população preocupada, com concertos e festivais a poderem retomar as dezenas ou centenas de milhares de pessoas. Mas em visitas culturais o impacto já poderá ser diferente.
A população portuguesa tem um poder de compra baixo para consumo em eventos. Com a inflação e custos do seu cabaz básico a poder aumentar largas dezenas ou mesmo centenas de euros, podemos vir a assistir a uma quebra de consumo acentuada. Enquanto na pandemia estivemos fechados, mas a “mandar vir” take-away ou produtos online, agora o desafio é outro, o de equilibrar as contas familiares com as deslocações para trabalho e escola e os bens alimentares de primeira necessidade.
Os eventos corporativos irão viver contextos de incerteza devido aos orçamentos com custos a oscilar todas as semanas, com a incerteza da vinda dos participantes que “fazem contas à vida”, e os próprios orçamentos de instituições e grandes empresas que podem ser suspensos para este tipo de iniciativas pelos motivos já explicados.
Se calhar daqui a 50 dias a reflexão será outra. É o defeito dos economistas. Mas a incerteza não diminuiu, diria que até aumentou.
Que a paz chegue depressa, primeiro, para bem de um povo que tanto sofre, a seguir para um continente que está receoso e permita-me, para uma área praticamente parada há 2 anos.